Por Ionan Fernandes*
A construção civil brasileira encontra-se em um momento crucial de transformação. Essa transição, iniciada no período pós-pandemia, revelou-se mais complexa e profunda do que inicialmente previsto, exigindo maturidade, foco e investimento significativo de tempo e recursos por todos os envolvidos na cadeia produtiva. Debates recentes sobre o futuro da indústria, amplificados por cobertura da mídia e eventos especializados, indicam que a busca por eficiência, sustentabilidade e modernização não é mais um diferencial, mas sim um imperativo para o sucesso.
Em setembro, tive a chance de integrar o Construsummit¹ como palestrante e
ouvinte, uma experiência que, impulsionada por essas recentes discussões, me
levou à reflexão de que a indústria da construção civil está pronta para
adentrar em uma nova era, na qual a inovação com impacto é o caminho para o
progresso. Esse evento não apenas abriu portas para novas oportunidades de
negócios, mas também proporcionou um aprendizado valioso através das interações
com clientes e das apresentações realizadas. Foi possível obter uma visão
abrangente de diversas áreas dentro do mesmo setor, destacando a importância do
networking e da colaboração entre diferentes participantes do nosso mercado
para a elaboração de soluções e para o crescimento conjunto.
Muito se debateu, por exemplo, sobre como a digitalização já é um dos
principais vetores dessa mudança de mentalidade e funcionamento na construção –
e como ela pode ser a solução-chave para inúmeras dores do segmento. A gestão
virtual de projetos, integrada entre as inúmeras etapas das obras, é somente
uma das possibilidades para uma atuação pautada pela eficiência produtiva.
Ferramentas como Building Information Modeling (BIM), Realidade Virtual e
Inteligência Artificial deixaram de ser tendências e passaram a ser
apresentadas como recursos essenciais para a competitividade dos negócios,
impactando diretamente no planejamento, gerenciamento, na redução de custos e
de prazos e na qualidade das construções. Segundo
um estudo da McKinsey realizado este ano², 72% das
empresas do mundo já usam a IA em suas rotinas – um aumento de 53% em relação a
2023. Já no Brasil, o contexto indica oportunidade:
somente 19% das companhias do mercado imobiliário já utilizaram o recurso.
Nesse cenário, o debate em torno da sustentabilidade também se fez cada vez
mais presente – e continua sendo essencial para o nosso crescimento enquanto
indústria. A construção civil é responsável por 37% da emissão global de gases
de efeito estufa³, demandando cada vez mais a incorporação de práticas
sustentáveis em todas as etapas construtivas, desde a escolha de materiais até
a criação de projetos mais integrados ao tecido urbano. A carência por cidades
mais inteligentes e resilientes também impulsiona o setor a buscar soluções
inovadoras para os desafios da urbanização e do impacto ambiental, tais como a
gestão consciente de resíduos, construção e mobilidade urbana sustentáveis, a
economia circular e o uso de tecnologias para a redução de desperdícios.
Outro ponto crucial é a questão do déficit habitacional. A necessidade de
moradia digna para milhões de brasileiros exige ações conjuntas entre os
agentes públicos, a iniciativa privada e a sociedade civil. Junto de entidades,
como a CBIC, Abecip e Abramat4, aproveitamos o momento de conexão do
Construsummit para debater o papel de programas como o Minha Casa Minha Vida,
que tem demonstrado impacto positivo da ação governamental na oferta de moradia
para a população de baixa renda. As novas diretrizes do programa, com foco em
projetos menores, mais bem localizados e integrados à infraestrutura urbana,
sinalizam uma evolução nesse sentido, buscando também promover o desenvolvimento
social.
Outro elemento apontado no evento como essencial para o avanço do crescimento
sustentável do setor foi a criação de mecanismos de financiamento inovadores e
diversificados, com o objetivo de reduzir a dependência histórica da poupança.
Novas alternativas, como o Fundo de Arrendamento Residencial (FAR) e o uso de
recursos do FGTS Futuro, são ferramentas que podem apoiar na viabilização de
projetos, especialmente aqueles voltados à habitação popular. Além disso, é
preciso também atentar-se para novas possibilidades, como a atração de capital
estrangeiro para o mercado imobiliário brasileiro e a busca por modelos de
financiamento mais ágeis e desburocratizados, como o crowdfunding imobiliário,
tendências que podem representar oportunidades de desenvolvimento para a área.
A Reforma Tributária em curso surge como um fator determinante nesse cenário. A
simplificação do sistema tributário, historicamente complexo e oneroso para o
setor, é vista como um passo fundamental para impulsionar investimentos,
reduzir custos e aumentar a competitividade das empresas. Conforme Zeina Latif,
consultora econômica e ex-economista-chefe da XP, apontou em uma das plenárias
do Construsummit, um dos desafios de nossa indústria está no chamado “Custo
Brasil”, que consiste na somatória de burocracias logísticas, tributárias e
dificuldades estruturais que impactam na produtividade das empresas
brasileiras. A expectativa é que a Reforma também contribua para a redução
desse fator, estimulando a geração de empregos, a formalização do mercado e o
desenvolvimento econômico e social. A atenção se volta, agora, para a
necessidade de o novo modelo tributário atender às especificidades da
construção civil, evitando a oneração excessiva e garantindo a viabilidade de
projetos, estimulando o desenvolvimento do segmento e beneficiando toda a
sociedade.
O legado que levo desta edição do evento é a certeza de que a construção civil
brasileira tem diante de si um horizonte de desafios e oportunidades. O momento
exige diálogo, colaboração e visão de futuro. A capacidade de adaptação, a
busca por soluções tecnológicas e pela inovação e o compromisso com a
sustentabilidade em todas as suas dimensões serão os alicerces para a
construção de um futuro próspero e socialmente responsável. A união entre os
diferentes agentes do setor, o diálogo constante e a visão estratégica serão
diferenciais para que a indústria trilhe um caminho de crescimento sólido,
eficiente e benéfico para toda a sociedade.
*Ionan Fernandes é Diretor Executivo do Grupo Softplan
para a Indústria da Construção
FONTES:
1. O Construsummit é o maior evento de gestão e tecnologia da
Indústria da Construção e foi realizado em setembro pelo Sienge, o Ecossistema
de Tecnologia e Negócios do Grupo Softplan para a Indústria da Construção e
para o Mercado Imobiliário.
2. The
state of AI in early 2024 | McKinsey
3. Global
Status Report for Buildings and Construction l 2024 United Nations Environment
Programme
4. Câmara
Brasileira da Indústria da Construção (CBIC); Associação Brasileira das Entidades
de Crédito Imobiliário e Poupança (Abecip) e Associação Brasileira da Indústria
Materiais de Construção (Abramat).
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